domingo, 15 de maio de 2011

Devaneios de uma madrugada

         Um sincero desespero bate a porta, tão certo quanto o vicioso ar do quarto fechado. Não sei de onde ou porque este veio me atormentar, mas parece escolher a indefesa calada da madrugada e, qual criança assustada, eu me encolho na escuridão, envolto por tudo aquilo que me causa pavor, onde complexos tomam formas e fobias ganham largos dentes risonhos.
         A falta de um lugar para me agarrar me faz recorrer a um recurso deveras morto, retendo minha esperança, no que agora entendo por ser somente eu, não podendo depositar minha confiança em outros, sem poder conversar com o próximo sobre meus tormentos, sem um rosto amigo em meio aos que me julgam nas trevas de um quarto triste.
         A inquietação aumenta ainda mais o pavor incrustado em meu ser, repercutindo em minha alma, dando forma à rápida e curta respiração que me sufoca, pesando meus olhos, não de cansaço, mas de algo que não identifico ou classifico. O samba da apreensão perdura o tanto que lhe convém, um corpo quieto, encolhido em meio as cobertas, só, recheado de dúvidas, pensamentos, incertezas e vontades. Eu permaneço aqui no escuro solitário desse sábado, acompanhado apenas pela fria luz vermelha da televisão, indicando que ao meu capricho, basta tocar um botão e ela se liga para iluminar esse ambiente. Que bom seria se o resto do mundo fosse assim.
         Já se foi a terceira miraculosa pílula para o sono, na verdade, já fazem duas horas desde que as minúsculas pastilhas passaram pela minha garganta. O maravilhoso inibidor de ansiedade não surte efeito naqueles em que a ansiedade inibe até mesmo as idéias. Não existe nada que possa fazer para me desvencilhar dessa inquietude, na verdade, eu poderia conversar, mas não há alma bondosa disposta a me ouvir as três e meia da manhã de um sábado. Logo eu, que sempre me dispus a ajudar qualquer ser perdido em meio aos seus pensamentos noturnos, justamente por que pensava que um dia iria necessitar dessa ajuda.
         Aliás, noite passada, em mais um devaneio de madrugada, descobri que não importa como você age perante ao mundo, as coisas acontecem ou não. Não importa se você errou, você errou. Não importa se está confuso, você já está condenado. Não importa se prega a redenção, aceitando chances e chances para aqueles que erraram para com você, quando mais precisares, essas chances lhe serão negadas. Não importa se faz o bem para o mundo, o mundo o crucificará na primeira oportunidade.
         Nenhuma boa ação sairá impune. Uma vida de bondades não parece valer se um crime eclipsa tudo. Perante a face do pecado, tudo que fora bom se perde, deixando apenas a mácula da impureza estampada em seu rosto, como um gado fujão marcado a ferro. Os homens estão mais preparados a pagar um dano do que evitar um prejuízo, pois a vingança é um prazer e a gratidão um fardo. Bom seria se a indulgencia fosse garantida quando se realmente mostra arrependimento.
         São só devaneios de uma madrugada não dormida, daqui a pouco eles passam, mas todos deixam uma cicatriz em seu âmago, amargurando pouco a pouco o seu ser. Quanto mais mudamos menos sentimos. Como gostaria de voltar a ter boas sensações novamente, eu acho até que as mereço depois da tormenta que enfrentei.
         O pensamento continua seguindo seu fluxo não linear por entre as sombras na parede, não passa de escuridão, mas mesmo assim, são só devaneios de uma madrugada não dormida. O quinto ajudante desce pela minha goela tentando baixar minha resistência ao sono. As sombras cada vez mais me parecem companheiras, é triste quando aqueles de quem gostaríamos de ouvir somente a voz se negam a compartilhá-la, nem por pura misericórdia. No fim das contas não sei o que mereço, se devo me perder aqui nessa escuridão ou se deveria ser agraciado com seu indiferente "oi", tanto faz, já vivo mesmo de migalhas, mas não se preocupe, são só devaneios de uma madrugada não dormida.
         E tudo passa tão lento,o mundo, o vento, o tempo, só meus pensamentos que correm a corrida do inexistente. As sombras cada vez mais me acalentam, se aconchegando, emitindo enormes pseudopodes, tentáculos oriundos de um mundo inferior, tentando me alcançar, tentando me enlouquecer. São só devaneios de uma madrugada não dormida, eu repito para mim.
         Um sexto calmante para firmar minha base sonolenta. O Clonazepan é um forte aliado contra os fantasma da negritude solitária antes da alvorada. Agora já não entro em méritos ou deméritos do que eu discursava, já não faz sentido algum tentar discordar ou dissertar sobre algo que não muda, meu ultimo recurso era falar com você, mas parece que quem me entende está cada vez mais próximo de mim. É quase perceptível agora o jeito que a escuridão me cobre, seus milhares de braços me acolhem como uma mãe, ajeitando calmamente o filho em seu leito, sem medo, sem tristeza, sem julgamento. Poucos conseguem sentir a felicidade na tristeza de estarem solitários, eu me torno um deles ao saber que minha única amante são as trevas que acariciam meu rosto, com dedos negros e frios da mais pura e tenra calma. Talvez eu deva me entregar e realmente aceitar meu triste destino de perdição, afinal, de qualquer forma eu devo esperar, antes numa crisálida escura do que sob o sol da toscana.
         Meu corpo se levanta para alcançar o sétimo e oitavo derradeiros mosqueteiros que combaterão minha insônia, mas como a matriarca que agora é para mim, sinto a escuridão retirando esses danosos venenos e os depositando novamente no criado mudo. Ela me acolhe e me toma como um recém nascido, seu peito é quente como o sol, mas escuro como o ébano. Enquanto me afaga gentilmente, me afogo em sua vastidão. Ela se inclina e sussurra doces palavras no meu ouvido, que não poderiam provir de maneira mais relaxada.
         Calma, são só devaneios de uma madrugada...

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